O que concluiu o processo judicial organizado em Espanha? Passados dez dias sobre o desaparecimento de Humberto Delgado (verificado a 13 de Fevereiro), o seu representante em Marrocos, Henrique Cerqueira, dá o alerta, de acordo com o que tinha ficado acordado entre ambos. A 24 de fevereiro o desaparecimento é já notícia em todo o mundo. A suspeita recaía por enquanto sobre a polícia espanhola, apresentada como provável autora de uma detenção do general, mas esta desconhece por enquanto o seu paradeiro e o da sua secretária, sabendo que eles estiveram em Espanha e pouco mais. A Brigada de Investigación Criminal começa a fazer as primeiras perguntas mas só em 24 de Abril surge um facto que lhe permite avançar: José Feijó e José Felipe Porras, entre os 13 e os 15 anos, andavam aos pássaros por Los Malos Pasos, perto de Villanueva del Fresno, quando o cão de um deles põe a descoberto uma caveira. Estavam encontrados os cadáveres de Delgado e Arajaryr. No dia seguinte é feita a exumação dos corpos mas devido ao seu estado de decomposição a autópsia tem de ser feita no local. Entretanto, por iniciativa de Emídio Guerreiro, outro representante do general, neste caso em Paris, uma comissão da Federação Internacional dos Direitos do Homem inicia os seus trabalhos, passando entre outros locais por Badajoz, onde lhe é dito pelo comissário da Polícia que esta de nada sabia acerca do general. Isto no próprio dia em que os corpos são exumados. Esta comissão não deixa no entanto de apresentar o seu relatório, onde aponta como provável a prisão ou assassinato de Delgado pela polícia de Franco, mas admitindo também a participação da PIDE. Para Espanha, o “caso Delgado” começava a tornar-se injustamente incómodo, apesar de esta ter feito vários esforços, sobretudo em contactos de bastidores com Portugal, com vista a uma colaboração entre as respetivas autoridades que estabelecesse uma sintonia de posições. O próprio vice-presidente do Governo de Espanha, capitão-general Munoz Grandes, de passagem por Lisboa a 8 de março, procura apurar junto de Salazar qual o papel das autoridades de Portugal no desaparecimento da principal figura da oposição portuguesa. Também o chefe do serviço de informações da Direcção-Geral de Segurança de Espanha visitou a sede da PIDE a 7 de maio, para coordenar as intervenções das duas polícias e dias depois era a vez de Barbieri Cardoso (na prática o nº 1 da polícia política portuguesa) retribuir a visita com uma deslocação a Espanha. Aparentemente não faltava boa vontade de parte a parte para esclarecer o caso. Mas só aparentemente: de facto os responsáveis portugueses nunca contribuíram com qualquer informação relevante, como rapidamente as autoridades de Espanha iriam compreender. A PIDE chega até a autorizar a ida de um agente seu àquele país com todas as informações que dizia ter disponíveis, sendo que esse agente era exatamente Rosa Casaco, que a polícia espanhola já conhecia há muitos anos, tendo por isso sugerido o seu nome. O que os espanhóis não sabiam e Portugal também não lhes disse é que Rosa Casaco era o chefe da brigada que assassinara Delgado. Espanha, que já tinha problemas de sobra no contexto ocidental em relação à sua imagem, não vê por que motivo deve suportar as culpas alheias. É assim nomeado um juiz especial para o caso Delgado, com jurisdição em todo o território espanhol, Don José Maria Crespo Marquez, que logo começa a investigar. Apesar de não ter obtido quaisquer condenações dos responsáveis, é graças ao processo judicial assim iniciado que dispomos hoje de um conjunto de informação bastante significativo. Entre outros elementos permitiu:
Em determinado ponto o processo espanhol ficou bloqueado. Os investigadores devem ter compreendido que apenas António Semedo podia revelar a verdadeira identidade dos homens que passaram a fronteira naquele dia 13, mas quando o interrogaram apenas obtiveram respostas vagas. O material recolhido pelo processo judicial dirigido pelo juiz Crespo Marquez era no entanto precioso para um futuro julgamento a realizar em Portugal se novas condições políticas o permitissem. |
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